domingo, 16 de fevereiro de 2014

Um Professor Carioca Vivendo em Uma Oca...

Então, de repente um dos seus amigos que foi professor de História e Sociologia no Rio de Janeiro e no Tocantins, posta no facebook: "Estou partindo para uma tribo Xavante para montar uma escola e dar aula"...Oi??? Como assim gente? Eu o conheci quando tinha uns 17 anos e nunca imaginei que um dia ele sairia da zona de conforto dele para um projeto tão arrojado quanto este...Já me surpreendi na primeira vez que soube que ele tinha ido para o Tocantins...pensei: "Josué? No Tocantins? Ahhh vááá" E não é que ele foi e fez um trabalho incrível por lá?

Agora ele está mais do que engajado em montar uma escola dentro da Tribo Xavante, sendo o "homem branco" no meio daquela cultura tão diferente...Aprendendo outra língua, outra cultura, outro mundo...Quer conhecer o trabalho dele? Curta a página no facebook e descubra o dia-a-dia de um professor carioca vivendo em uma Oca...

Um pedacinho do início dessa história:

01 de Fevereiro-2014

"Eu estou aqui no Mato Grosso a exatamente um mês. Mas o ano letivo inicia-se apenas na segunda. Não, eu não receberei por esse mês. Pelo contrário! Só receberei do estado em março, isso se não atrasar. Não embarquei nisso por dinheiro, mas por um ideal, quando amigos acham que estou com chances de ficar “rico”, eu rio por dentro. As vezes me sinto tolo mas nada é fácil, e admito, eu já sabia que seria muito difícil.

Eu tive que chegar antes, pois eu deveria conhecer e ser aceito pela comunidade xavante, e isso, isso felizmente aconteceu. Eu poderia ter sido mandado embora caso eles não tivessem acreditado no meu discurso de chegada. Wahradzu (homem branco) não entra na aldeia, porém eu fui adotado por Eloi Abdzu Maratedewa que esta sendo um pai, de verdade ele me adotou como filho e a seus filhos adotei como irmãos, eu sou apresentado sempre como o filho adotivo de um xavante.

Na cidade vejo alguns brancos me olhando com certo desprezo pois estou sempre cercado de índios e envolto em seus adereços e miçangas, e acreditem, o preconceito que a comunidade xavante sofre nessa cidade é gigantesco. Também já ouvi de xavantes de outras aldeias que eu era intruso querendo “roubar” a cultura.

Tudo isso MUITO me fez chorar no início. Eu levei muitas e muitas noites desse mês mergulhado em lágrimas. Chamo a esse processo de adaptação chorosa, eu jamais havia sofrido preconceito na vida, eu me tornei índio, mas sendo “wahradzu”.

Eu virava noites chorando na minha rede na Aldeia Eteipó’Re... Era difícil falar sem ser compreendido, a maioria dos índios, mesmo os que falam português não entendiam o que eu falava de um todo, eu me sentia só, a língua xavante é dificílima, eu me esforço para aprender mas seria milagre do dia de pentecostes se eu estivesse fluente em um mês.

Os dias eram agradáveis com as dezenas de crianças barulhentas atrás de mim sem me dar tempo de ficar triste, porém as noites me traziam infelicidade enquanto as asas dos morcegos batiam.

Não havia privacidade, pois sempre havia um jovem guardião comigo, gentil ele estava ali pra me proteger caso uma cobra ou onça aparecesse. A cultura é diferente e aprendi a me adequar, isso significa raramente estar sozinho. Hoje, eu descobri que eles ficam o tempo inteiro perto de mim por preocupação, eles temem que eu morra de uma doença chamada “saudade”.

Na aldeia eu descobri uma família. Eles? Eles cuidam de mim!
O pouco dinheiro que trouxe do Rio de Janeiro está acabando, eu tive dificuldades econômicas, e admito que passei fome nos últimos dias por ter que vir a cidade. Eu tão classe média e tão mimado... Nunca pensei que eu fosse capaz de comer tão pouco para não gastar dinheiro! Ontem mesmo tomei unicamente uma garrafa de iogurte, pois não posso ficar gastando muito e o iogurte de certa forma me sustenta, apesar da diarreia que ele traz. As semanas que passo na cidade são custosas e assim bebo iogurte unicamente e diariamente, isso tornou-se habitual pois é uma das poucas coisas baratas aqui nessa pequena cidade.

Talvez por orgulho para não pedir dinheiro emprestado a algum amigo e ouvir que estar aqui é uma tremenda loucura eu fiquei calado, as pessoas com as quais falei que estava com problemas limitaram-se a sugerir que eu abandonasse tudo.

Quando estou na aldeia não tenho problemas, afinal, eu como com os xavantes, ainda não aprendi a apreciar a comida, a família indígena que cuida de mim sabendo que quase nada eu consigo comer passou a assar aipim e milho para mim. Sou muitíssimo bem tratado pelas doces e amáveis pessoas na aldeia, mas ainda é muito difícil comer a comida feita pelas índias pois o preparo é muito diferente de qualquer coisa com a qual estamos acostumados em uma cidade grande.

Estou aqui na cidade a uma semana para resolver a documentação da escola, estou hospedado em um hotel rodoviário chinfrim onde divido um banheiro com mais trinta quartos, bem, esse banheiro não costuma estar muito limpo.

A teoria é a seguinte: Sendo a maioria dos hóspedes daqui indígenas,e eles não estão acostumados ao uso da privada, então...

Portanto, eu sugiro que tirem as suas próprias conclusões, pois me limitarei a não dar detalhes das coisas que encontro no banheiro quando quero simplesmente escovar os dentes.

Mas de certa forma gosto daqui, visto que tenho internet e posso falar com meus caros amigos no Rio de Janeiro.
Eu sei que essa tempestade vai passar... .Pois eu me sinto abraçado pela comunidade.

12 kilos a menos e muito aprendizado.

Os índios comem pouco e geralmente uma vez por dia."


*Texto retirado da página oficial do professor Josué Nogueira Junior

A chamada "casa dos homens" onde os meninos ficam separados até a cerimônia da furação de orelha.

Escola Estadual Indígena David Aire'ro.
Professor Josué lecionando na Oca...
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