Um dos motivos que queríamos conhecer a Cracóvia é porque a
cidade foi um dos palcos de uma das guerras mais crueis da história da
humanidade. A Segunda Guerra Mundial.
Digo uma das mais crueis, pois foi nessa guerra que um dos
homens mais influentes da Alemanha, Adolf Hitler, institui um estado Nazista
onde uma das principais atrocidades era dizer que todos aqueles que não eram dignos
de viver, deveriam morrer. Só assim a Alemanha teria uma raça pura e forte para
conquistar o poder perdido com a guerra anterior (primeira guerra mundial). Quem
eram os indignos? Judeus, deficientes e
doentes mentais, prisioneiros de guerra soviéticos, homossexuais, maçons,
testemunhas de jeová e ciganos. E para exterminar todos os “indignos” só
construindo lugares extremamente grandes onde essas pessoas poderiam ser
utilizadas como trabalhadores escravos e serem mortos das formas mais crueis
que se pode imaginar. E foi então que surgiram os campos de concentração por
toda a Europa. E o maior campo de concentração estava localizado ali na
Polônia, a mais ou menos 1 hora de carro
da Cracóvia – Auschwitz - e era pra lá que estávamos indo.
Chegando em Auschwitz
Depois de tomarmos um café da manhã super especial na casa do
Mike, ele nos levou até a rodoviária para pegarmos o ônibus que nos levaria
direto para Auschwitz.
Parênteses: Naquele
dia o tempo estava muito bom. Sol e céu azul, então coloquei menos casacos do
que eu deveria. Se arrependimento matasse...Explico melhor depois!
O Mike nos ajudou a comprar as passagens e disse para a
mocinha do caixa que queria 2 passagens para Auschwitz. Ela nos disse que havia
um ônibus que estava indo pra lá em 20 minutos. Compramos as passagens, que se
não me engano foi uns 16 Zlots (Ida e volta) e seguimos para a plataforma e
verificamos que o nosso ônibus não era na verdade um ônibus e sim uma van de
uns 12 lugares.
Combinamos com o Mike que quando voltássemos, eu enviaria
uma mensagem pra ele do Mc Donald’s (santo wifi grátis) e ele viria nos buscar.
Entramos na Van, escolhemos sentar nos bancos de trás porque tinha um pouco mais de espaço para a Paula. Ela mede quase 1,80 né, então ela sempre
saía em desvantagem...rsrs.
A viagem durou uma média de 1 hora, mas em um momento da
viagem o vidro de trás parecia estar com uma frestinha aberta e vinha um vento
gelado bem no nosso pescoço. Só Jesus! Não conseguimos dormir, porque estava
bem desconfortável ali.
Descemos bem em frente à entrada de Auschwitz I. Andamos até
a área da bilheteria e compramos uma visita guiada. Após às 15h você pode
conhecer o local gratuitamente e sem guia. Mas achamos que um lugar com tanta
história, deveria ser conhecido com um guia. Pagamos 40 zlots pelo ingresso
que incluía a visita guiada à Auschwitz I e II com duração de aproximadamente 4
horas. No site http://en.auschwitz.org/z/,
você pode ter mais informações sobre valores e horários das visitas.
O Início de um dos “tours”
mais angustiantes da minha vida...
Nós esperamos um pouquinho e eis que a nossa guia apareceu.
Ela era polonesa e o inglês dela estava meio difícil de entender. Tinha muito
sotaque. Até a Paula que fala inglês muito melhor do que eu, estava com
dificuldade de entender algumas vezes. Fora que não parecia que ela estava muito
satisfeita naquele emprego. Não estou dizendo que ela deveria ser uma guia
sorridente, até porque naquele lugar não tinha como, mas que tivesse um pouco
mais de empolgação com a coisa, mas tudo bem!
Auschwitz I
Começamos a visita em frente a entrada que dizia Arbeit
Macht Frei (O trabalho liberta), que ironia não? O trabalho liberta para
aqueles que seriam por muito tempo escravos e mortos.
Nesse portal estava escrito uma das maiores mentiras contadas pelos Nazistas - "O Trabalho Liberta" |
Auschwitz I virou um museu, onde são mostrados mapas dos
lugares de onde os judeus e outros refugiados eram caçados e levados para lá.
Os Nazistas percorriam os diversos lugares da Europa atrás dos judeus, lugares
como Reino Unido, Budapeste e Roma estavam marcados no mapa, mas nada se
comparava a Polônia pela quantidade de judeus que vivia naquele país.
Além de informações como quantidade de pessoas que foram levadas para aquele local e consequentemente foram mortas ali, você podia saber como as pessoas chegavam ao local e como viviam, ou melhor sobreviviam.
Inicialmente todos que desembarcavam em Auschwitz passavam
por uma triagem e ali as famílias começavam a ser desfeitas. Imagine você
chegar em um lugar com a sua família e de repente todos deveriam ficar
separados. Inicialmente a triagem era para separar homens de mulheres,
posteriormente crianças, jovens e idosos e por último aqueles que tinham alguma
capacidade de realizar serviços braçais daqueles que estavam doentes ou
impossibilitados. Normalmente estes últimos eram mortos logo na chegada. Para
os alemães não justificava aquela pessoa viver, já que ela não “servia” para
absolutamente nada.
Durante essa fase da visita, me deparei com uma sala onde
estava dispostos objetos pessoais que chegavam com aquelas pessoas. Malas com
os nomes escritos, roupas, óculos, sapatos, muletas. Todos esses objetos estavam
em uma parede de vidro enorme. Era uma quantidade absurda de objetos e foi ali
que eu comecei a sentir uma angústia e um aperto no peito. Eu ficava imaginando
aquelas pessoas chegando ali, sem saber muito bem o motivo de estarem ali ou o que seria do futuro delas.
Depois de ver esses objetos, foi mostrada uma parede de
vidro somente com as latas do veneno que era utilizado para matar as pessoas
dentro das câmaras de gás. O cyclon B. Ali, naquele momento a angústia aumentou
de tal forma que me deu uma vontade enorme de sair correndo daquele lugar. Eu
não conseguia parar de pensar em como o ser humano podia chegar naquele nível
de crueldade. Não eram animais (e nem os animais merecem um tratamento assim).
Eram pessoas, tinham uma vida, uma história e que por um preconceito perderam
suas vidas. Triste demais.
Tínhamos terminado o nosso tour em Auschwitz I e a nossa
guia deu um intervalo de 20 minutos para irmos até Auschwitz II – Birkenau.
O intervalo era mais do que bem vindo. O clima estava tão
pesado que nada melhor do que sentar e deixar os pensamentos voarem por um
tempo.
Compramos um chocolate quente (feito com água...por que eles fazem isso meu Deus? :/) e
esperamos a nossa guia próximo ao ponto de encontro que ela havia falado.
Ficamos ali e vimos que já tinha dado o horário. Quando
olhamos bem a nossa volta o lugar estava meio vazio, olhei para a cara da Paula
e: “Fomos esquecidas pela nossa guia”. Vimos
que não éramos as únicas. Um casal que estava no nosso grupo também estava meio
perdido.
Bom, resolvemos pegar o ônibus para Auschwitz II sozinhas,
já que não ia adiantar ficarmos ali paradas. O ônibus estava incluso no
ingresso e a estação é em frente à entrada do museu. O trajeto durou em torno
de uns 5 minutos.
Malas das pessoas que chegavam |
O tamanho dessas construções... |
Potes e mais potes de Cyclon B |
Óculos de todos que passaram por ali* |
Auschwitz II
Quando chegamos em Auschwitz II, não vimos o nosso grupo e
tentamos nos aproximar de um outro grupo que estava fazendo a visita em inglês.
Mas a guia simplesmente disse que não poderíamos ficar ali e que deveríamos
procurar o nosso grupo. Eis que láááá no final avistei a nossa guia (a bota
branca que ela usava ajudou a identificar..rs). E nós corremos, corremos e
conseguimos alcançá-la. E eu não me aguentei né? Cheguei para a guia e disse
que era um absurdo ela não ter nos esperado e nem ter se dado conta que não
estávamos lá. Gente, no tour gratuito que fizemos em Paris o guia contava e se
preocupava com o grupo. Ali que era pago era a Bangu? Faça-me o favor né?
Soltei os cachorros no meu inglês macarrônico (já disse que meu inglês fica
péssimo quando estou nervosa..rs) e seguimos com o tour.
Auschwitz II* |
Um caminho sem volta* |
Um dos vagões que foram utilizados na época* |
Nessa parte do tour conhecemos de perto os lugares que as
pessoas ficavam.
Os alojamentos, se é que podem ser chamados assim, era
simplesmente um galpão onde foram construídos triliches com tijolos e madeira.
Só isso. Nas “camas” dormiam em média de 12 a 15 pessoas amontoadas umas com as
outras. O chão na época, não tinha azulejos ou pedras, era barro puro e quando
chovia aqueles que ficavam perto do chão tinham que conviver com a água que
inundava o local.
Alojamento |
Banheiros também eram indignos. Simples buracos feitos um ao
lado do outro sem qualquer privacidade e sem qualquer higiene. Os soldados
nazistas faziam prontidão enquanto a pessoa fazia as suas necessidades e ai
daquele que ultrapassasse o limite de tempo estipulado para utilizar o
banheiro.
Banhos, não eram diários e quando tinham, a água que era
utilizada nos chuveiros era envenenada para que as pessoas não pudessem beber e
matar a sede.
"Banheiros", se é que podem ser chamados assim* |
Mas o local que mais me marcou foram as câmaras de gás. O
lugar que foi planejado para ser feito o extermínio em massa. As pessoas eram
levadas ao local e achavam que tomariam um banho, pois eram totalmente
despidas, ao entrar, os soldados fechavam as portas e jogavam o veneno pelo
teto. O cyclon B ao ser aspirado, entrava nas vias respiratórias e as pessoas
acabavam morrendo por asfixia em poucos minutos. E o que faziam com os corpos?
Simplesmente queimavam ou até mesmo enterravam em buracos enormes onde as
pessoas eram jogadas lá dentro.
Câmara de Gás* |
Crematórios* |
O nosso tour estava acabando e o frio estava aumentando. A
cidade parece que tem um clima triste. O Sol que reinava na Cracóvia estava
meio escondido ali e pelo fato de não ter colocado os meus 4 casacos costumeiros
(sim, eu praticamente usava 4 casacos...rs) estava morrendo de frio. A luva não
esquentava, o casaco não esquentava...O frio era demais. Depois que chegamos na
Cracóvia descobrimos que a temperatura estava em torno de 5° graus...Uiii.
O tour terminou, pegamos o ônibus de volta para Auschwitz I
e fomos procurar como fazíamos para voltar para a Cracóvia. Encontramos o ponto
de ônibus que levava direto para a rodoviária da Cracóvia e iriamos pegar o
penúltimo horário. O preço da passagem era de 10 zlots. Mas um ônibus nunca
demorou tanto pra chegar...O frio estava congelando os meus ossos e o cansaço
mental estava acabando comigo.
A experiência de ter conhecido Auschwitz nunca vai sair da
minha memória e ao escrever esse relato, por vezes parei para tomar fôlego e
escrever...Mas uma viagem não é feita somente de momentos alegres e paisagens
bonitas, também serve para você refletir na sua vida e ser grata por vivê-la
intensamente, enquanto as pessoas que estiveram naquele local não tiveram a
mesma oportunidade que você.
Réplica do Paredão de fuzilamento e as homenagens |
Mais homenagens |
Ainda há esperança
Todas as fotos marcadas com * foram retiradas do site Creative Commons, ou seja, o uso pode ser feito livremente na internet
|
Gaby, adorei seu texto. Ele é rico em detalhes sem ser cansativo, Parabéns! Da pra ver que esse lugar tocou msm seu coração e vc conseguiu passar essa emoção pra quem está lendo. Bjs
ResponderExcluirOi Juliana,
ExcluirSim, tocou de mais o meu coração. Que bom que eu conseguiu sentir também a mesma emoção que eu tive ao estar lá.
Seja bem vinda ao blog!
Muito triste mesmo!!!!!!!!!!!
ResponderExcluirGaby
ResponderExcluirSou Danielle , tenho quase 70 anos e meu pai morreu lá em Auschwitz.Li seu blog com muito interesse pois estou querendo ir lá no ano que vem para ver tudo aquilo que sempre ouvi falar. Tenho alguns documentos desta época. Será que no museu tem o lugar onde ele ficou ? pois é isto que gostaria de saber o alojamento onde ele ficou. Você tem amigos là que poderiam ver isto para mim.
De qualquer forma o teu blog muito me esclareceu sobre como chegar là.
Um abraço .
Oi Danielle,
ExcluirNo museu tem um espaço dedicado a todos que sofreram naquele lugar...Eu não sei se você vai conseguir saber exatamente onde o seu pai ficou, mas talvez você possa entrar em contato diretamente pelo site e ver se eles possuem essa informação http://en.auschwitz.org/z/
Que bom que gostou do blog, esse foi um dos lugares mais tristes que já visitei na vida, mas que me fez parar e refletir um pouco mais! Super bj
Fiquei angustiada ao ler esse post, Gaby! Acho que teria crises de choro nesse lugar. Em contra partida conhecê-lo, seria um banho de civilidade. Que bom, tivemos o livramento por não ter nascido em um momento tão brutal da humanidade. Obrigada pelo seu relato. Beijos Maiara
ResponderExcluirOi Maiara,
ResponderExcluirConfesso que por vezes me deu uma vontade danada de chorar por todos aqueles que passaram por ali algum dia!
Nossa, entrei nesse post pela milésima vez (dessa vez por ter visto o filme A Menina que Roubava Livros) e me emocionei e me arrepiei pela centésima vez! Você soube passar toda sua emoção nesse post, realmente deve ter sido uma época horrivel, muito triste. Graças a Deus não tivemos por lá nessa época, o que não deixa de nos fazer pensar sobre aquelas pessoas e o que sentiam, o que pensavam.
ResponderExcluirMuitas se 'ajoelhavam' sobre Hitler pelo medo. Uma história interessante e louca!
Espero conhecer esse lugar um dia, deve ser renovador (triste, mas deve nos fazer pensar demais!).
Bjs!